Em fins dos anos 80, era tudo pós. Pós-modernismo, pós-rock, pós-guitarra, pós-soul... era tudo tão fabricado, tão industrializado, que coisas prosaicas como “compor boas canções” passaram a ser secundárias... então, como costuma acontecer nesses casos, os moleques pensaram vamos voltar às raízes do negócio... (putz, essa é a pior intro que já fiz na vida, huauhahuahua... mas, vamos lá)... os Garth Brooks (olha o visual do cara! huahuahuahuahua), Billy Ray Cirus, Alan Jacksons e outros cowboys de boutique vinham mijando xarope no túmulo de Hank Williams fazia anos, e
isso não podia ficar assim... pelo menos isso era o que achavam uns caras do meio oeste norte-americano, que gostavam do velho e bom country & western de Waylon Jennings, Merle Haggard, e do country-rock dos Burritos e do Poco... pros lados do Rock também rolava uma entressafra e quase tudo que era bom rolava apenas nos subterrâneos... andava em voga um pseudo-alternativismo que infernizava tudo quanto é guitarra com distorções à Jesus & Mary Chain na incipiente cena
indie... na área do
rock é rock mesmo era um verdadeiro inferno, não bastasse o heavy metal farofa, ainda tinha que se ter
saco pra aguentar o heavy metal tradicional (
sorry, amigos
headbangers, mas é a verdade!), sem falar no hard-paródia do Gun’s & Roses e do Bom Jovem (bluargh!)... No lado pop... bom, deixa pra lá, pra cada banda legal, como os Waterboys, os Plimsouls e os Long Ryders, surgia uma profusão de Madonnas, Michael Jacksons (que, me perdoem os relativistas, já foi tarde!) e sintetizadores mil que atormentavam a gente vinte e cinco horas por dia (no poster acima, boa parte das
razões certas daqueles que odeiam os anos 80!)... pois é, mas só que esses moleques do meio-oeste, heróis da nossa historinha, também eram pós-tudo... seu gosto musical era um caldeirão que juntava Replacements com Neil Young; The Jam com Gram Parsons; o punk e o pop/rock, mas também o folk, o country, o rockabilly... daí começaram a tocar e buscar uma síntese do que curtiam, algo como uma improvável
jam session de Johnny Cash com The Clash... eles também queriam voltar a escrever coisas significativas, com alguma mensagem genuína (fruto da fissura pelo folk), longe dos clichês da Nashville derrotista/ conformista e do hedonismo barato-baboseira que povoava as letras do rock/pop de então... em suma, gente comum escrevendo sobre gente comum e suas
andanças... o resultado dessa busca: os moleques emergiram das profundezas de suas influências com um "gênero" musical que a crítica denominou
"No depression movement", que logo tomou variada rotulação...
Alt-country, Insurgent country, e por aí foi... o pontapé inicial foi dado com o lançamento do disco
"No Depression", da Banda
Uncle Tupelo, em 1987, disco que não teve repercussão alguma no rock dos ‘80s mas que se revelaria influencial para o rock de muita gente dos ‘90s... o que ninguém suspeitava é que o
alt-country havia chegado para ficar... produziria ainda pérolas do calibre de
"Being There" (
Wilco),
"Trace" (
Son Volt),
"Dog Days" (
Blue Mountain),
"Faithless Street" (
Whiskeytown), dentre outros grandes discos da década.
Mas se é correto dizer que a primeira grande Banda do alternative country foi a Uncle Tupelo, o gênero viria a se cristalizar com o clássico instantâneo dos Jayhawks, "Hollywood Town Hall”, de 1992.
Capa clássica pra um disco clássico!
"Hollywood Town Hall" foi o terceiro disco dos Jayhawks, Banda de Minneapolis, que tinha acabado de assinar com um selo razoavelmente importante, a (Def) American Recordings, que contava em seu cast com artistas como Black Crowes (com quem engataram amizade que dura ate os dias atuais, sendo que Chris Robinson produziu o último disco da dupla Louris-Olson). Os Hawks não vacilaram e fizeram o disco de suas vidas.
A dupla Mark Olson e Gary Louris, alma e coração da Banda, respectivamente, apresentam um instrumental evocando a rickenbacker 12 melodiosa de Roger McGuinn dos Byrds, o "som" de "Nashville Skyline" (de Dylan) e especialmente as guitarras de "Everybody Knows This Is Nowhere" (de Neil Young), numa quase declaração de intenções da Banda... nas vozes, ah, nas vozes... vocês podem até me chamar de maluco, mas as harmonias simbióticas de Olson & Louris me remetem diretamente a Phil e Don Everly, isso mesmo, os Everly Brothers... e que dizer das melodias e letras soberbas de Mark Olson, que trafegam no limiar entre o alusivo e o direto, o imagístico e o coloquial, capturando cada gota de surrealismo que permeia a realidade, bem no rastro da estrada de Kerouac ("Day is done/Night is returning/Icy black/The muddy waters/I’ve got to know/ Won’t you please tell me/Sinking like a stone/The icy water" – na canção "Take me with you when you go") e das cartas de Bukowski ("So I kept my spirits high/Entertaining passers-by/ Walking on down the road/Looking for a friend to hang out/Somebody ease my soul" – da canção "Waiting for the sun"), mas que encontram inspiração também no protesto de Woody Guthrie ("God of the rich man/Ain’t the God for the poor..." – na canção "Clouds")?? Olson reinjetava poesia e sangue num rock que vivia um dilema à época: ou andava às turras com a inteligência, privilegiando as agressividades fabricadas, ou resvalava para o intelectualóide... é certo que se há um "sentimento" sempre presente nas imagens que rolam por "Hollywood Town Hall", este é a melancolia... não os motivos indulgentes, escapistas e autocomiserativos da Nashville countrypolitan... o que rola é apenas a aceitação de eventuais derrotas, de encarar com compreensão as circunstâncias desfavoráveis da vida, e de "pegar a estrada" confiante na busca de oportunidades e de um destino melhor... afinal, ninguém aos vinte e poucos anos é um perdedor incontestável....
A produção de George Drakoulias - que, aliás, foi o responsável pela contratação da Banda pelo selo Def American - foi enxuta, despida, sem frescuras... Drakoulias percebeu que o melhor que podia fazer era tentar capturar a sonoridade nua & crua da Banda, tentando trazer pro estúdio o frescor de uma apresentação ao vivo... seu único verdadeiro trabalho foi fazer com que cada instrumento tivesse uma voz bem delineada no mix, adicionando um leve acento Rhythm & Blues (sobretudo pela inclusão do piano e do órgão que foram pilotados ora por Benmont Tench – dos Heartbreakers de Tom Petty – ora por Nicky Hopkins, sim, ele mesmo), mas privilegiando indisfarçavelmente as guitarras.... em "Hollywood Town Hall", onde quer que você esteja, lá estão elas, majestosas... Mark Olson está excelente nas guitarras-base (quase sempre acústicas), mas quem dá um show particular é Gary Louris nas guitarras eletrizantes... Louris cria riffs inesquecíveis ("Waiting for the sun", "Sister Cry" e "Wichita"), sai-se com arpejos imaginativos ("Settled down like rain"), coadjuva nas nuanças harmônicas ("Crowded in the wings", "Clouds" e "Two Angels") e protagoniza solos melódicos como há muito não se (ou) via ("Take me with you when you go" e "Nevada, Califórnia").
Apesar de todas as referências que se insinuam aos ouvidos quando a gente ouve o disco pela primeira vez, nas audições seguintes - que são inevitáveis! - fica evidente que os Jayhawks não eram uma banda revivalista... não há bajulações com os clássicos que os inspiraram (o que às vezes salta aos ouvidos no som do Ocean Colour Scene, por exemplo), nem o desrespeitoso plágio dissimulado (leia-se "covers megalomaníacos"), em voga na mesma época, vide Oasis... já foi dito em alguma revista especializada que "se Gram Parsons estivesse vivo, se sentiria honrado em participar da Banda", e, acredite, ouvindo o disco, essa afirmação é bem plausível ainda hoje... (na foto à esquerda, a Banda no Mojave, prestando tributo ao Anjo que virou pó). "Hollywood..." é construído sobre uma base que compreende um talento inato e despretensioso, com reconhecimento e respeito por suas raízes, mas recheado com um inescapável desejo de criar algo com identidade.... a sonoridade que os caras forjaram no disco é daquelas assinaturas inconfundíveis, tão especial e genuína que torna o disco quase um trabalho conceitual... o som da Banda tornou-se tão distinto que ouvindo alguns segundos de qualquer canção de seus discos seguintes, você distingue na hora: são os Jayhawks! Personalíssimos, de inspirados passaram à inspiração para as novas bandas do alt-country, e mesmo o velho e bom Tom Petty, dizem as más línguas, deu uma "roubadinha" no riff de "Waiting For The Sun", em sua maravilhosa canção "Mary Jane’s Last Dance"...
Infelizmente logo depois, fins de 1995, Olson e Louris se incompatibilizaram, e após mais um álbum (o também excelente "Tomorrow The Green Grass"), Olson partiu para carreira solo, deixando Louris e os demais pelas planícies do Meio Oeste norte-americano... Louris continuou batalhando para manter a dignidade da Banda, direcionando a sonoridade dos discos pós-Olson para uma vertente mais pop... mas Jayhawks era Mark Olson & Gary Louris e "Hollywood Town Hall" é o testamento de que a parceria destes dois caipiras do Minnesota era o que tornava a Banda tão genuína... talvez artisticamente tenha de ser assim... queimar tudo, até a última ponta de sanidade... ou, como diria Neil: "it’ s better to burn out than to fade away..."
Depois de quase 20 anos, a gente consegue ver que esses neocaipiras construíram uma respeitável via paralela ao grunge, tornando a década de 90 um período bem mais variado e interessante para quem curte rock. E Hollywood Town Hall foi a grande contribuição dos Jayhawks pra essa estória. Pra mim esse disco é mais que só isso, é um dos meus top ten country-rock albuns de todos os tempos e sério candidato a melhor disco da década!
Tracklist e mais info, AQUI
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