Grandmothers (1993) Dreams On Long PlayGrandmothers – Dreams On Long Play (experimentem as “vovós”)De cara, a indefectível biografia da banda (em tradução livre do inglês), de autoria de Eugene Chadbourne e extraída do site allmusic.
Para o desavisado, a junção de nomes do Grandmothers pode sugerir tranquilidade, talvez algo como uma combinação de velhos músicos voltada para tocar em centros de recreação para idosos (comentário meu, para o desavisado: em inglês, Grandmothers significa avós; daí a ilação espirituosa do texto). No entanto, não só as várias composições deste conjunto musical são bastante barulhentas e até mesmo indecentes, como também a concepção melhor resumida como “política da banda” inclui várias ações judiciais e tentativas de golpe suficientes para manter uma ditadura da América Latina ocupada por uma década. Acima de tudo, porém, no velho mas ainda vivo coração do Grandmothers (comentário meu: acho que já não está tão vivo assim..) há uma conexão essencial com a música avant-garde da lenda do rock Frank Zappa. Em seus primeiros anos, Zappa juntou-se a uma típica banda de bar californiana chamada Soul Giants, cujo nome ele mudou depois para Mothers Of Invention, além de alterar o repertório do grupo, de R&B e doo-wop, para o desafiante e inovador rock avant-garde que o tornou famoso. Os integrantes do Grandmothers invariavelmente incluem alguns dos membros originais da Mothers Of Invention e, não raro, até mesmo músicos cuja história remonta ao Soul Giants.
Saber quem são os músicos que o integraram num determinado momento é parte da intriga do Grandmothers, embora nem sempre uma boa parte. Relativamente aos membros auxiliares que não têm uma relação direta com a Mothers Of Invention, a banda foi bem além do que Zappa conseguiu em termos de elenco internacional. Enquanto Zappa contratou principalmente músicos americanos, componentes importantes do Grandmothers incluíram o baixista alemão Ener Bladezipper (comentário meu: por coincidência, toca no disco aqui postado) e o guitarrista italiano Sandro Oliva.
De certa forma, toda a existência do Grandmothers pode ser interpretada como uma espécie de extensão de uma disputa que ex-membros da Mothers of Invention tiveram com Zappa sobre assuntos bastante sérios da indústria musical, como os royalties e os créditos de publicação. Forçados a sair pela decisão de Zappa de desmantelar a Mothers Of Invention original, em 1970, alguns dos músicos, desejando continuar suas carreiras, foram encorajados por emocionados fãs de Zappa, que acreditavam (desnecessário dizer que para revolta do músico) que aquele primeiro grupo representou o ponto alto da carreira zappaniana, pelo menos com relação a um certo tipo de humor audacioso, quase surrealista.
A primeira versão do Grandmothers surgiu em 1980 e, naturalmente, apresentou um trunvirato que – entre outras coisas misteriosas e Zappa-esque (comentário meu: a expressão seria mais ou menos como zappaniano, “algo que está além de estranho, mas também muito espirituoso e satiricamente mordaz, ao mesmo tempo”, segundo o “Dictionary Of American Slang” (www.pseudodictionary.com) – tinha sido fotografado usando vestidos para a capa do disco desdobrável de 1968, “We're Only In It For The Money”. O baterista e cantor Jimmy Carl Black, o famoso índio do grupo, além do ex-camarada de exército Don Preston nos teclados e o multi-instrumentista Bunk Gardner estão certamente entre os mais versáteis e divertidos músicos que Zappa havia contratado. O próprio Zappa tornou-se objeto das sátiras da banda nos palcos, tendo ficado particularmente chateado com um boneco caricato da sua figura que o Grandmothers usava de várias formas provocativas.
Isso desencadeou um embate jurídico entre a família de Zappa e vários membros do Grandmothers. No caso da zombaria recém-mencionada, aplica-se algo que o ator Edward G. Robinson descreveu com perfeição num dos seus papéis de gangster: “Criticar é fácil, difícil é ser criticado” (comentário meu: a expressão atribuída a Robinson, “you can dish it out, but you can't take it in”, é de difícil tradução, ao menos pra mim, mas acredito que a frase que escolhi, se não é a melhor, dá pra pegar o sentido da coisa). Outras disputas jurídicas envolviam o direito de executar e gravar composições de Zappa e, o mais importante, o uso não autorizado do atual nome da Mothers Of Invention por promotores gananciosos. Em um momento dos anos 90, a marca Zappa anulou um contrato para a gravação de um novo disco do Grandmothers para uma importante produtora, que, infelizmente, não estava interessada em trabalhar com a banda sem a permissão de uso do nome Mothers Of Invention.
Black destacou em várias entrevistas que o Grandmothers não é, estritamente falando, uma banda cover do Zappa. O grupo toca apenas o repetório da Mothers Of Invention, canções de Black e Preston, além de outras músicas apropriadas ao seu estilo das décadas de 60 e 70. Entretanto, alguns dos membros do grupo, ao longo dos anos, participaram das últimas bandas e projetos de Zappa. Black contou, em detalhes, uma piada engraçada, quando alguns desses músicos jovens (sic) tentaram sequestrar uma versão do Grandmothers, com o objetivo de substituir alguns dos membros mais velhos por iniciantes. “Eu vim para baixo tomar café no hotel e a primeira coisa que eles disseram”, recorda Black, “foi perguntar ‘Como você se sentiria sendo a única Mother original no Grandmothers?’”. Black diz que respondeu a pergunta com outra indagação: “Como vocês se sentiriam sendo pendurados pelo traseiro?”.
Black, geralmente com Gardner e Preston e, noutras ocasiões, com o baixista original e vocalista falsete da Mothers Of Invention, Roy Estrada, foi responsável pelas versões mais coerentes e originais da banda, uma das quais vista em muitas cidades americanas durante um longa turnê em 2000. A genialidade de Black, nessa parte, consistiu em envolver os europeus acima mencionados, que trouxeram para o palco uma mistura de energia juvenil com uma postura mais relaxada, muito menos tensa, para a música de Zappa. Black tinha uma versão da banda com músicos locais baseados fora de Austin, Texas, durante sua estada lá nos anos 80, porém sua versão para o Grandmothers somente decolou realmente depois que ele se tornou um expatriado em 1992, o que lhe permitiu um acesso muito mais fácil ao público europeu.
Desde 2002, Preston firmou-se como o líder de fato do Grandmothers, trocando a base de operações da banda para Los Angeles, sua cidade natal, e utilizando músicos dessa área, tendo, além disso, alterado geograficamente o nome da banda para Grandmothers West. A última mudança pareceu desnecessária para Black, que perdeu interesse no projeto, dissolvendo sua versão européia do grupo em prol de atividades com bandas como a britânica Muffin Men, cujo set list contém muito Zappa, bem como músicas de Captain Beefheart e dos Beatles.
Em adendo à biografia, destaco: em primeiro lugar, a inconteste liderança de Jimmy Carl Black no Grandmothers, até 2002, no mínimo, como salienta Chadbourne (dublê de escritor e músico; como músico, aliás, possui uma discografia bem robusta, tendo inclusive feito alguns trabalhos em parceria com Jimmy Carl Black; ver o site allmusic), e a sua morte, em 2008; em segundo lugar, a briga feia, segundo relata Chadbourne, entre Zappa e ex-integrantes da Mothers Of Invention em torno de direitos autorais, que eu (e acho que muita gente também) desconhecia; lamentável; em terceiro lugar, a posição um tanto deslocada que o disco ora postado ocupa no contexto da banda, porquanto, ao contrário dos outros, não contém covers do Zappa (como era característica do grupo, conforme apontado por Chadbourne e verificável pela sua discografia), nem tampouco é integrado, à exceção, evidentemente, de Black, por integrantes ou ex-integrantes da Mothers Of Invention, embora preserve o estilo avant-garde que consagrou Zappa; em quarto lugar, a boa qualidade do disco, onde se sobressai a flauta doce de Gerald Smith, instrumento não muito usual em álbuns de rock; em último lugar, além do excelente álbum Geronimo Black, de 1972, da banda de mesmo nome que Jimmy também timoneou, saliento o fantástico disco “Freedom Jazz Dance”, de 2008, com Jimmy na bateria, provavelmente gravado de forma independente (não consta no site allmusic e não se encontra muita informação sobre ele na Internet; encontrei-o no blog “oldandnew”); é imperdível.
Músicos:Jimmy Carl Black: Drums, Indian Drums, Vocals
Linda Valdmets: Violin, Percussion, Vocals
Gerald “Eli” Smith: Woodwinds, Vocals
Ener Bladezipper: Bass, Vocals Sometimes Yeah
Roland St. Germain: Guitar, Keyboards, Vocals
Thomas Ramirez: Saxophone on Manila Gorilla
Faixas:1. Do It In The Name Of Love
2. Waiting
3. Walk Like A Weasel
4. Not My Problem
5. Trail Of Tears
6. I’ve Fallen And I Can’t Get Up
7. Who Did You Love
8. Manila Gorilla
9. Who Dicked Who Over
10. The Great White Buffalo
[MU] [125MB @320kbps]